A começos deste ano levei um fora monumental. Seco, intestinal e dolorido. Além de ter sido dado com bota de bico de aço, demorou para sarar. (Sarou?)
Não foram poucas as semanas que fiquei de luz apagada, janela exposta, uivando pras estrelas. De tanto choramingar, tanto lamuriar, uma madrugada de março a lua ficou de saco cheio:
Ôrra mêu, para mano! -ela tava passando pelo bairro da Moóca em São Paulo, por isso o sotaque ítalo-paulistano- sempre que passo por aqui você tá com essa cara de miséria e chorando na janela, sério chega! deixa os vizinho dormir… tá ridículo já.
Sorvi o catarro, olhei para ela. É a lua mesmo que tá falando comigo?
Sim! É a lua, agora vai, pega papel e caneta! -eu não entendia o que tava acontecendo- Anda logo, pega um papel agora! ôrra, me dá um nervoso com esses caras!
Levantei e obedeci, mesmo me questionando se aquilo que fazia era a lua(?!) que mandara fazer. Voltei à janela com o caderno na mão. Ela disse: escreve: Eu virgula sexo e sexualidade ponto. Anotei.
Agora, presta atenção, nesse caderno, você vai colocar tudo aquilo que tá sentindo, tá? tudo que já viveu e passou com relação a esses temas cabeludos: seus relacionamentos, os crushs, safadezas, rejeições, prazeres, tudo. E pela-amor-de-deus faz de biquinho fechado, em s.i.l.ê.n.c.i.o. tá bom? eu já tô cansada de girar esse mundo, imagina agora com você chorando pitanga a toda hora!
Ainda incrédulo -porém dócil-, fechei a janela, peguei a luminária e um livro para apoiar. Sentei na cama, acomodei o travesseiro na parede, encostei nele e soltei a mão.
Tem sido uma caminhada de descobrimento. Não tanto pelo fato de abrir a gaveta da memória para bisbilhotar momentos do passado, mas sim, pelo exercício de observar aquelas histórias sob o olhar de hoje. O passar do tempo vai mudando o grau das lentes com as quais enxergamos a vida.
Vou compartilhar com você, pessoa venturosa, um fragmento desse pedaço maior, que uma lua de março pediu para escrever. Como o clima é de romance e vai ficar caliente, abaixa um pouco a luz, abre aquele vinho e deixa o dengo rolar…
Ausência no entremeio
Tem dois momentos bem marcantes nas nossas vidas, bom, pelo menos para a vida das pessoas que habitamos estes países da América do Sul: um é, as aulas de educação sexual na escola, e o outro, o inevitável encontro com a pornografia.
É vasta a distância que tem entre aquelas aulas, cobertas de moralidades e doenças, e o inesquecível primeiro embate com pornô. Encontro, no meu caso -e parece que também para uma boa parcela de pessoas- cercado de sombras, escondidos, ignorantes e curiosos.
Das aulas, a primeira imagem que me vem, é um monte de pré-adolescente horrorizado com os vídeos e as imagens de abortos ou IST. Chegavam na nossa sala pessoas convidadas para fazer conversas impessoais, recheadas de palavras técnicas, com pouquíssimo diálogo. Aulas muito enroladas, sem conexão alguma com nossas realidades. E sempre flertando com a religião cristã.
Daquelas aulas, eu saia jurando que os espermatozoides estavam na urina e, ao fazer xixi, estávamos jogando fora milhares de filhos ao mictório. De forma evidente, não ficou clara a diferença entre mijar e ejacular. Aquele desentendimento outorgou, ao corriqueiro fato de esvaziar a bexiga, uma nova camada de significado. Não era só uma agüita amarilla jorrando solta pelo mundo afora, na verdade, era um massacre banal com evidentes sinais psicopatas. Sim, psicopata; pois, como era possível sentir tal deleite à hora de deixar a chuva dourada fluir e, ao mesmo tempo, acabar com a vida de tanta gente que não teve a oportunidade de pelo menos vir a nascer?
Lá ficava eu, na frente dos coleguinhas no banheiro, dando tchauzinho aos meus filhotes depois de dar descarga.
Das duas uma, ou a aula de como se dá a reprodução havia sido ruim demais ou, eu era burro demais. Meu diagnóstico? Uma generosa mistura das duas.
Teve um dia, provavelmente, após me despedir da filharada no banheiro, que fui à quadra de futebol encontrar os amigos. Na época, com 9 ou 10 anos, os brinquedos e a bola iam ficando em segundo plano, surgiam outros interesses e os hormônios já pipocavam pelo corpo. No canto tinha um tronco de árvore jogado no chão, era lá que a gente sentava no recreio. À medida que me aproximava notei um brilho raro nos olhinhos dos moleques, uma risada oleosa pintava suas bochechas. Estranhei. Também reparei numa folha arrancada de uma revista rodando de mão em mão. Fiquei curioso. Cheguei junto e perguntei qual era. Era a minha vez. Olhando em volta, para ter certeza que não tivesse professores ou pessoas estranhas, mas sempre com sorriso gozador, me passaram o pedaço de papel.
Na imagem, um cara de terno, loiro, deitado na escrivaninha do que parecia ser o escritório, tinha o zíper aberto, e daí surgia, em riste postura, um pinto enorme. Seguindo a figura da lança do personagem, percebi que a ponta sumia. Dando continuidade, logo em cima do homem e de costas para ele, uma mulher se equilibrava em postura esquisita. Tinha uns óculos no meio do nariz e abria a boca num gigantesco AHH! vestia uma camisa e uma minissaia -claro, não havia rastro da calcinha- que estava toda arregaçada, já que ela expandia, em abertura total suas pernas, afim de mostrar um maravilhoso, fantástico e delirante... nada. Um nada onde também desaparecia a ponta do falo do cara.
Ué, como assim nada?
Pois eh, esse primeiro cara a cara com pornô, me trouxe várias sensações: o dissonante contraste entre o pênis que se erguia da calça do ator e o humilde membro que eu havia acabado de usar ao descarregar a bexiga. Como podia ser isso?
Aquela pergunta ficou sem resposta, aliás, nunca chegou a ser formulada. Claro, todos nós percebemos a diferença, mas nenhum de nós ia conseguir dar uma explicação. Então, perguntar para a professora ou os pais? Jamais. Isso implicaria confessar o pecaminoso crime de ter visto pornografia. Aquilo estava fora das possibilidades. Sem mais opções, o silêncio foi a escolha.
Educados e criados para competir e comparar, a imagem que construímos de nós é muito frágil. Foi só ver a pica grande do cara, e o mundo ficou de cabeça para baixo. Olha só o que consegue desencadear um pedaço de papel que tem impressa a foto de uma encenação do ato sexual; ela derruba qualquer tentativa de formação saudável no que diz respeito a nossa aparência e autonomia.
Daí em diante, mergulhamos numa eterna contradição: ficamos ofendidíssimos, invejosos e derrotados ao nos deparar com um pau maior que o nosso; mesmo assim, procuramos compulsoriamente assistir homens, com perus colossais, simulando encontros sexuais. Não precisa ter MBA em psicologia para saber que alguma coisa não está funcionando bem em nós.
Outra inquietação que me produziu a foto foi o lugar onde estava inserido o pênis do ator. Fiquei pasmo. Do nada, no meio da reluzente pele de veludo dourado da mulher, um abismo insondável implodia. O lugar tinha um formato sem muita forma e uma cor fulgente. Na época, a referência mais próxima que tinha dessa imagem, eram os machucados que ficavam quando ralava os joelhos contra o asfalto jogando bola. Um escarlate pulsante. A careta da moça, um Ai! exagerado de dor, dava crédito a minha suposição: ela tá com uma ferida exposta e o cara tá cutucando com o pau.
Acostumado a ver sempre algo ali, pendurado no meio das pernas, aquela falta embaixo da saia da atriz, me deu a impressão de um corte, uma ausência. Senti uma bela salada de pena, repulsa, estranhamento e dúvida.
Lembro de um comentário que surgiu entre a galera: “dá para ver que o cara nem chegou ao escritório e já trazia a zíper aberto, pronto pra meter”. As nossas cabeças já borbulhavam histórias em cima da ficção que tínhamos nas mãos.
É frequente uma curiosidade que Ana Canosa, psicóloga clínica, terapeuta sexual e várias outras vírgulas, traz ao podcast Sexoterapia, ela fica se questionando: deve ser um barato ter pênis, o órgão sexual sempre para fora, a sensação da penetração e tal.
Lendo um pouco mais devagar o que ela fala, a dúvida dela passa a ser uma reflexão minha, porque, realmente é uma viagem levar um pedacinho de carne pendurado entre as pernas o tempo todo.
Ele é a primeira coisa que pegamos ao acordar, a primeira direção de nosso olhar quando nus perante o espelho, a primeira parte a pensar nas horas íntimas. A primeira, a primeira, a primeira. Um constante looping, uma volta doentia para o mesmo lugar.
Cientes do perigo que tem nessa obsessão, várias pessoas vêm ao resgate, quase sempre mulheres -mães, irmãs, namoradas, amigas, esposas- cheias de compaixão e paciência, dizem para gente: tira a mão dali, que mania é essa de pegar no pau? Porém, a maioria de nós, temos bem claro o papel dado pela sociedade: podemos tudo e fazemos tudo, e não damos a mínima para conselhos.
Continuamos ali. Pegamos, observamos, nos fascinamos; tamanha a fixação, que o brotinho começa a crescer. Cresce, cresce. Vai ficando grosso, pesado, enorme -isso tudo dentro das nossas mentes afetadas, tá? não vai achar que tô falando putaria nessa impoluta newsletter-. Fica tão grande, maior que nós, que é a única coisa que vemos. Assim, passamos a enxergar, mensurar, comparar, experimentar o mundo, por meio de, olha só o que inventei: uns óculos de piroca 👓.
Aí, o barato de ter o bichinho sempre disposto e saltitante, aos poucos vai ficando caro demais. Uma mochila perene cheia de pedras.
No final, porque você acha que 99,99% dos homens ficamos dando, num intervalo de 7 a 12 segundos, uma beliscada nada disfarçada lá ao sul do umbigo? Simples, é para conferir se ele tá ainda aí. Que não foi embora (ou alguém tirou). É tão tênue o elo que nos une. Carregamos um pavor constante de perder os óculos com os quais lemos o mundo.
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Mulher e pornografia
A jornalista e pesquisadora Gabriella Feola escreveu uma matéria e fez uma reportagem onde questiona o papel da mulher na pornografia. Para isso trouxe a visão e experiência da ex-atriz de pornôs americana Shelley Lubben, falecida em 2019; Patricia Kimberly, atriz brasileira, e Valter Filho, diretor de filmes pornô. Vale a pena dedicar um tempo.
Precisamos falar de porno por Gabriella Feola
Aliás, o site do Papo de Homem, onde a Gabriella trabalha, tem material sobre esse e muitos outros temas que afetam a vida dos homens.
Aqui uma pesquisa com vários links para ampliar a conversa.
Beijos, jorge gabriel